Resumo: Diariamente todos nós somos bombardeados pelas
mídias impressas, televisivas e eletrônicas com as notícias da prática
de crimes de todas as espécies, passando, para muitas pessoas, uma
sensação de insegurança. Como sabemos, o Direito Penal enseja proteger
os bens elencados pelo legislador como mais importantes para a
sociedade, através do estabelecimento das condutas mais prejudiciais à
mesma, denominadas infrações penais. Entretanto, desde um certo tempo
até hoje em dia, parece que a sociedade tem ignorado a existência da
espécie de infração penal chama de “contravenção penal”, relegando-a
quase ao completo esquecimento. O presente estudo propõe-se a examinar o
instituto jurídico da contravenção penal, claro sem a menor pretensão
de se esgotar a matéria em análise, no sentido de comparar o seu
conceito com o conceito de crime, estabelecendo suas diferenças e
semelhanças, bem como suas peculiariedades, além de examinar a aplicação
de diversos institutos do Direito Penal às mesmas.
Palavras-chave: direito penal, crime, contravenção penal, infração penal.
1.INTRODUÇÃO
O Direito Penal tem por objetivo principal a repressão de determinadas
condutas, denominadas infrações penais, consideradas ofensivas aos bens
jurídicos que o legislador considerou mais relevantes para a sociedade.
Nesse sentido, em meio às legislações penais dos vários ordenamentos
jurídicos dispostos ao redor do mundo ocidental, há na doutrina duas
teorias sobre as infrações penais: a tripartida, que divide as infrações
penais em crime, delito e contravenção penal; e, a bipartida, que
considera sinônimos o crime e o delito, estabelecendo crime (ou delito) e
contravenção penal como as duas espécies de infração penal.
Segundo Prado
[1], o marco inicial da teoria
tripartida é o código penal francês de 1791, que classificava as
infrações penais da seguinte maneira: os crimes, as infrações que
violavam direitos naturais, como por exemplo a vida; os delitos, a
exemplo da propriedade, seriam as infrações que lesavam os direitos
originários do contrato social e, as contravenções, eram as infrações
que infringiam disposições e regulamentos de polícia.
Entretanto, o sistema adotado pelo nosso ordenamento jurídico é o
bipartido, assim como o sistema alemão, como o italiano, o português e
outros. Nesse sistema, o crime e o delito são considerados sinônimos,
que juntamente com a outra espécie, a contravenção penal, formam as
infrações penais (grifo) que, conforme assevera Greco
[2], é como devemos chamar as espécies crime e contravenção penal, quando quisermos nos referir genericamente às mesmas.
2.CRIME E CONTRAVENÇÃO PENAL
Apesar de crime e contravenção serem espécies “distintas” do gênero
“infração penal”, não existe, a rigor, uma diferença substancial entre
os dois. Não há um elemento de ordem ontológica que encerre uma essência
natural “em si mesmo”, sendo diferenciados apenas pelas suas penas, nos
termos do art. 1º, da Lei de Introdução ao Código Penal e da Lei de
Contravenções Penais
[3], ou como leciona Nucci
[4]
em seu Manual de Direito Penal: “o direito penal estabeleceu diferença
entre crime (ou delito) e contravenção penal, espécies de infração
penal. Entretanto, essa diferença não é ontológica ou essencial,
situando-se, tão somente, no campo da pena.” (grifo nosso)
Todavia, em obra bastante clara e objetiva, Leandro Prado
[5], destaca as principais diferenças entre os dois institutos jurídicos em um quadro de fácil consulta, vejamos:
|
CRIME
|
CONTRAVENÇÃO
|
AÇÃO PENAL
|
Pública ou privada (art. 100, CP)
|
Pública incondicionada (art. 17, LCP)
|
COMPETÊNCIA
|
Justiça Estadual ou Federal
|
Só Justiça Estadual, exceto se réu tem foro por prerrogativa de função na Justiça Federal
|
TENTATIVA
|
É punível (art. 14, parágrafo único, CP)
|
Não é punível (art. 4º, LCP)
|
EXTRATERRITORIALIDADE
|
Possível (art. 7º, CP)
|
Lei brasileira não alcança contravenções ocorridas no exterior (art. 2º, LCP)
|
PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
|
Reclusão ou detenção (art. 33, CP)
|
Prisão simples (art. 6º, LCP)
|
LIMITE TEMPORAL DA PENA
|
30 anos (art. 75, CP)
|
5 anos (art. 10, LCP)
|
SURSIS
|
2 a 4 anos (art. 77, CP)
|
1 a 3 anos (art. 11, LCP)
|
Entretanto, no que diz respeito à competência das contravenções penais,
é importante ressaltar que a mesma pertence aos Juizados Especiais
Criminais, nos termos dos arts. 60 e 61, da Lei 9.099/95, conforme a
seguir:
“Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.
(…)
Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.”[6] (grifo nosso)
Todavia, mesmo diante das diferenças acima expostas, há muito mais
semelhanças do que diferenças entre crime e contravenção penal, haja
vista esta também constituir um fato típico e antijurídico, porém de
menor potencial lesivo para a sociedade. Um crime-anão, na concepção
formulada pelo consagrado Nelson Hungria. Assim, segundo Greco
[7],
o critério de rotulação de uma conduta como contravencional ou
criminosa é essencialmente político. O que hoje é considerado crime,
amanhã poderá ser uma contravenção, ou vice-versa. Como exemplo, o autor
nos traz a criminalização da contravenção penal de porte de arma,
consumada no art. 10, da Lei 9.437, de 20 de fevereiro de 1997.
3.CONTRAVENÇÃO PENAL
De acordo com o art. 1º, da Lei de Introdução ao Código Penal e da Lei
das Contravenções Penais, contravenção é “a infração penal a que a lei
comina, isoladamente,
pena de prisão simples ou de multa,
ou ambas. alternativa ou cumulativamente.” (grifo nosso). Assim,
conforme acima delineado, não existe uma diferença ontológica entre
crime e contravenção penal, ocorrendo a sua diferenciação apenas nas
penas cominadas, que no caso da contravenção consiste em prisão simples
ou multa; e, quando se tratar de crime, as penas serão de
reclusão ou de detenção (grifo), quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa.
A pena de prisão simples, nos termos do art. 6º, da Lei de Contravenções Penais
[8], deve ser cumprida, sem rigor penitenciário, em estabelecimento especial ou seção especial de prisão comum, em regime
semi-aberto ou aberto (grifo)
e, de acordo com o § 1º, do mesmo artigo, o condenado à referida pena
deve ficar sempre separado dos condenados a pena de reclusão ou de
detenção.
Por outro lado, apesar das diferenças existentes entre contravenção de
crime, várias normas aplicáveis aos crimes são também aplicáveis às
contravenções, como é o caso das regras gerais do Código Penal, nos
termos do art. 1º, da LCP. Segundo Damásio de Jesus
[9],
o art. 1º da LCP é um corolário do art. 12, CP, que tem a seguinte
redação: “as regras gerais deste código aplicam-se aos fatos
incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso”. Um
exemplo dessa disposição de modo diverso, presente na Lei das
Contravenções, é o caso do instituto jurídico da tentativa de crime,
presente no Código Penal, portanto aplicável a crimes, mas não admitida
nas contravenções, por força da expressa previsão legal de modo diverso,
disposta no art. 4º, da LCP.
Nas palavras de Damásio de Jesus
[10], exemplos
de regras gerais presentes no Código Penal, aplicáveis às contravenções
penais, são os princípios da “Legalidade”, da “abolitio criminis” e da
“Retroatividade da Lei mais Benéfica”, previstos respectivamente no art.
1º, caput, art. 2º, caput, e art. 2º, parágrafo único.
Outro instituto importantíssimo do Direito Penal, perfeitamente
aplicável às contravenções penais, são as “Causas Excludentes de
Ilicitude”, previstas no art. 23, CP: estado de necessidade, legítima
defesa, estrito cumprimento de dever legal e exercício regular de
direito.
Partindo para as
contravenções penais propriamente ditas, é interessante destacar o art. 32, da Lei de Contravenções Penais, que, segundo Nogueira
[11],
foi parcialmente revogado pelo novo Código de Trânsito Brasileiro. O
art. 32 da LCP tipifica a seguinte contravenção: “Art. 32. Dirigir, sem a
devida habilitação, veículo na via pública, ou embarcação a motor em
águas públicas”. Assim, por ocasião da edição do novo Código de
Trânsito, através do art. 309, do CTB: “Dirigir veículo automotor, em
via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação ou,
ainda, se cassado o direito de dirigir,
gerando perigo de dano”(grifo
nosso), o legislador criminalizou a primeira parte do referido art. 32
da LCP: a conduta de dirigir sem habilitação. Entretanto, a redação do
art. 309, CTB, acrescentou a elementar: “gerando perigo de dano”, que
passou a ser o ponto de “discórdia” entre os doutrinadores
[12],
dividindo-os entre aqueles que entendiam ter o art. 32 da Lei das
Contravenções Penais subsistido apenas no tocante à direção não
habilitada de embarcação em águas públicas, matéria que o novo Código de
Trânsito não tratou, e os que acreditavam ter o art. 32 da LCP
permanecido em pleno vigor, aplicando-se aos casos residuais de direção
não habilitada, aqueles que não se ajustem ao art. 309 do CTB. No
entanto, a celeuma parece ter sido resolvida com a edição da Súmula 720,
do STF: “O art. 309 do Código de Trânsito Brasileiro, que reclama
decorra do fato perigo de dano,
derrogou o art. 32 da Lei das Contravenções Penais no tocante à direção sem habilitação em vias terrestres”(grifo
nosso). Portanto, conforme o exposto, temos que o delito previsto no
art. 309, do CTB, derrogou o art. 32, da LCP, regulando por inteiro a
matéria presente na primeira parte do art. 32, da LCP, permanecendo
neste apenas a figura típica do infrator que pratica a infração penal de
dirigir, sem a devida habilitação, veículo automotor em águas públicas.
Ainda nas contravenções penais propriamente ditas, não custa tecermos
algumas linhas sobre o jogo do bicho, aquela que talvez seja a mais
emblemática de todas as contravenções penais. O jogo do bicho tem suas
raízes históricas no final do Século XIX, quando o Barão de Drummond,
fundador do zoológico do Rio de Janeiro
[13],
criou um sorteio vinculado ao ingresso do zoológico onde eram escritos o
nome de um dos 25 “bichos” em cada ingresso e ao final do dia era
sorteado um bicho, diante de que o vencedor ganhava 20 vezes o valor do
ingresso. Como na época havia poucas formas de entretenimento, a
popularidade do jogo aumentou consideravelmente, quando algumas pessoas
passaram a aproveitar o resultado do zoológico e organizavar apostas nos
armazéns e botequins da cidade, fato que gerou enormes confusões, não
demorando para que, em 1894 o sorteio fosse proibido pelo governo. Ainda
assim, o sorteio passou a ocorrer na clandestinidade, espalhando-se por
todo o país, tornando-se o jogo de apostas mais popular do Brasil,
mesmo depois de ser tipificado como contravenção penal, em 1941,
disposta na redação do art. 58, do Decreto-lei 3.688, o jogo continuou a
ser praticado em todo o país. A definição legal de jogo do bicho
disposta no artigo 58 da Lei das contravenções Penais, foi alterada pelo
Decreto-Lei n.º 6.259 de 1944, que traz a seguinte redação:
“Art. 58. Realizar o denominado "jôgo do bicho", em que um dos
participantes, considerado comprador ou ponto, entrega certa quantia
com a indicação de combinações de algarismos ou nome de animais, a que
correspondem números, ao outro participante, considerado o vendedor ou
banqueiro, que se obriga mediante qualquer sorteio ao pagamento de
prêmios em dinheiro.
Penas: de seis (6) meses a um (1) ano de prisão simples e
multa de dez mil cruzeiros (Cr$ 10.000,00) a cinqüenta mil cruzeiros
(Cr$ 50.000,00) ao vendedor ou banqueiro, e de quarenta (40) a
trinta (30) dias de prisão celular ou multa de duzentos cruzeiros (Cr$
200,00) a quinhentos cruzeiros (Cr$ 500,00) ao comprador ou ponto.
§ 1º Incorrerão nas penas estabelecidas para vendedores ou banqueiros:
a) os que servirem de intermediários na efetuação do jôgo;
b) os que transportarem, conduzirem, possuírern, tiverem sob sua
guarda ou poder, fabricarern, darem, cederem, trocarem, guardarem em
qualquer parte, listas com indicações do jôgo ou material próprio para a
contravenção, bem como de qualquer forma contribuírem para a sua
confecção, utilização, curso ou emprêgo, seja qual for a sua espécie ou
quantidade;
c) os que procederem à apuração de listas ou à organização de mapas relativos ao movimento do jôgo;
d) os que por qualquer modo promoverem ou facilitarem a realização do jôgo.”[14] (grifo nosso)
Entretanto, não são poucos os que defendem que a conduta infracional de
realizar o jogo do bicho, nos termos do dispositivo legal supra,
deveria deixar de ser uma infração penal, face a ausência de reprovação
social, havendo portanto duas posições
[15]: 1) a
de que a conduta não pode ser considerada contravenção, em face da
ausência de reprovação social; e, 2) a de que os costumes não têm força
revocatória da lei, mantendo-se a tipificação da conduta. Contudo, mesmo
diante da “revogação social” da infração e da falta de
fiscalização
do cumprimento da lei por parte do Poder Público, que parece limitar-se
apenas a pequenas operações policiais, ao invés de incluir a luta
contra a referida prática infracional em uma política pública permanente
de combate à sonegação de impostos, optamos pela manutenção da
tipificação da prática do jogo do bicho como contravenção penal.
Todavia, entendemos que a atribuição dos “bons costumes” como bem
jurídico protegido pela norma encontra-se ultrapassada, dadas as
mudanças ocorridas na sociedade desde a edição da norma em comento. O
único fundamento jurídico que entendemos ser plausível para a manutenção
da referida norma
[16] é o combate à sonegação
de impostos e à corrupção passiva, pois o que interessa de fato para a
sociedade, no que diz respeito à prática do jogo do bicho, é o alcance
de seus “tentáculos” e seus efeitos no Estado, que repercutem muito mais
na área da arrecadação de impostos do que meramente nos costumes por si
só. Prova disso é o desenrolar do caso recente do bicheiro Carlinhos
Cachoeira, amplamente divulgado na mídia, e a imensa rede de influência
presente em todos os ramos da administração pública que o bicheiro teria
fomentado, de acordo com as acusações que o mesmo responde. Nesse
sentido, torna-se imensamente importante destacar a nova redação da Lei
9.613, de 1998, a Lei da Lavagem de Dinheiro, modificada recentemente
pela Lei 12.683, de 09 de julho de 2012. Ocorre que o caput do art. 1º,
da lei da lavagem de dinheiro, foi modificado, a fim de abranger
qualquer espécie de infração penal, incluindo assim as contravenções
penais. Portanto, diante da nova Lei da Lavagem de Dinheiro, aquele que
ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição,
movimentação ou
propriedade
de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente da
prática da contravenção penal do jogo do bicho poderá ser condenado a
uma pena de reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa. Essa nova
redação do art. 1º, da Lei 9.613 pode ser considerado um avanço
promovido pelo nosso legislador, já que os efeitos realmente lesivos à
sociedade, provocados pelo jogo do bicho, a sonegação de impostos e a
corrupção dos agentes públicos, estão intimamente ligados com a lavagem
do dinheiro proveniente dessa prática.
Nessa mesma esteira, tomando por base uma conduta infracional que a
sociedade atual tratou de “descriminalizar”, passamos a analisar
brevemente a antiga contravenção penal de mendicância, revogada pela Lei
11.983, de 16 de julho de 2009. Segundo Cabette
[17],
a existência de uma infração penal para a prática da mendicância, dada a
situação de extrema pobreza que atinge uma parcela considerável da
população brasileira, há tempos já não se justificava. Até mesmo porque
tal situação está vinculada à ineficácia do Estado em proporcionar
educação
de qualidade, qualificação profissional e oferta digna de empregos às
grandes massas da população. Ou seja, o legislador demorou muito a
perceber que vivemos em outro Estado e a finalmente entender que a
criminalização da pobreza (grifo)
nunca foi o caminho adequado para a eliminação das mazelas sociais. É
bem verdade que há casos de pessoas que usam de má fé para explorar a
solidariedade alheia, mas para essa figura típica já existe o crime de
estelionato, disposto no art. 171, do Código Penal, para o caso de uma
prática que cause lesividade significante a bem jurídico tutelado pelo
Direito Penal. Ademais, usando raciocínio semelhante para as condutas
previstas no parágrafo único do art. 60, da LCP, que tratam da prática
da mendicância de "modo vexatório, ameaçador ou fraudulento", ou
"mediante simulação de moléstia ou deformidade" ou "em companhia de
alienado ou de menor de 18 anos", às quais é atribuído aumento de pena,
temos que diante da ocorrência de uma conduta efetivamente ameaçadora
aos bens jurídicos protegidos pela lei penal, estarão sempre disponíveis
os crimes de extorsão (art. 158, CP), submissão de criança ou
adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a
constrangimento (art. 232, ECA), corrupção de menores (art. 244-B, ECA),
entre outros. Entretanto, apesar do acerto do legislador quando à
mendicância, vale deixar uma crítica ao mesmo, diante da manutenção
desnecessária da contravenção de vadiagem em vigor. Tomando emprestadas
novamente as palavras de Cabette
[18]: “o
legislador perdeu boa chance de também revogar a contravenção penal de
vadiagem (artigo 59, LCP), por motivos bastante semelhantes àqueles
acima aduzidos com relação à mendicância”, já que as razões pelas quais a
mendicância foi revogada aplicam-se perfeitamente à contravenção penal
de vadiagem.
Após as considerações acima, sobre condutas contravencionais bastante
conhecidas, tentaremos falar um pouco sobre o fenômeno social denominado
Stalking
[19], uma forma de
violência
na qual o sujeito ativo, empregando diversas estratégias, repetindo
incessantemente as mesmas ações, invade a esfera de privacidade da
vítima. Também conhecido como perseguição persistente, apesar de ocorrer
com freqüência nos Estados Unidos, o Stalking tem sido observado em
vários países ao redor do Mundo, inclusive sendo incluído na agenda de
projetos do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC)
em relação à proteção da mulher contra a violência. Conforme assevera
Wesley de Lima
[20], em seu brilhante artigo, o
Stalking consiste em um verdadeiro “cerco psicológico e social realizado
de forma reiterada por um agente contra a sua vítima”. Para atingir seu
objetivo, o sujeito ativo, denominado Stalker, serve-se de várias
estratégias, caracterizadas sempre por atos constantemente repetidos que
invadem a privacidade da vítima e causam dano psicológico, como por
exemplo: várias ligações e/ou mensagens no celular, vários presentes sem
razão especial, aparições constantes nos mesmos locais frequentados
pela vítima, chegando até mesmo à prática de ameaças. Segundo Damásio de
Jesus
[21], a prática de Stalking amolda-se à
figura típica da contravenção penal de perturbação da tranquilidade,
prevista no art. 65, da LCP, que dispõe da seguinte redação: “Art. 65.
Molestar alguém ou pertubar-lhe a tranqüilidade, por acinte ou por
motivo reprovável: Pena – prisão simples, de quinze dias a dois meses,
ou multa.” Todavia, dependendo da dimensão e extensão da gravidade dos
fatos, de acordo com Wesley de Lima
[22], como
desdobramento do iter criminis, pode ocorrer a prática de outras
contravenções, a exemplo da perturbação do trabalho ou do sossego
alheios (art. 42, LCP), da importunação ofensiva ao pudor (art. 61, LCP)
e vias de fato (art. 21, LCP). Tamanha a obcessão do agente para com a
vítima, que o mesmo pode exceder-se de tal forma que passe a executar
ações mais graves, recaindo sobre condutas criminosas, como o crime de
constrangimento ilegal (art. 146, CP), de ameaça (art. 147, CP), lesões
corporais (art. 129, CP), dentre outros. O fenômeno Stalking pode
remeter ao Bullying, mas diferencia-se deste pois, naquele, o intuito do
perseguidor é alcançar seus desígnios não tolerados ou consentidos pela
vítima
[23], consistindo o sofrimento da vítima
apenas em conseqüência inevitável das estratégias usadas pelo Stalker
para forçar a vítima a fazer o que o mesmo deseja dela. Enquanto no
Bullying, a aflição e angústia do ofendido consistem no próprio fim
pretendido pelo infrator. Não são poucos aqueles que, a exemplo do
Bullying, pugnam pela criminalização do Stalking, existindo inclusive
proposta já aprovada pela comissão de juristas do Senado
[24], que pretende criminalizar as duas condutas, praticadas nos meios eletrônicos.
Por fim, analisaremos brevemente a aplicação do princípio da
insignificância às contravenções penais. Introduzido no sistema penal
por Claus Roxin
[25], em 1964, tal princípio
preceitua que sempre que uma lesão a bem jurídico tutelado pelo Direito
Penal, for insignificante, de forma que se torne incapaz de ofender
efetivamente o interesse tutelado, não haverá adequação típica. Na lição
de Damásio de Jesus
[26], há dois entendimentos,
segundo vários julgados citados em seu trabalho, o de que é aplicável e
o de que não é aplicável o princípio da insignificância às
contravenções penais. Em nosso entendimento, considerando que o
princípio da insignificância influencia diretamente a
tipicidade
da conduta praticada, não vislumbramos maiores impedimentos na
aplicação do princípio da insignificância às contravenções penais, pois
entre estas e os crimes não existem grandes diferenças ontológicas,
sendo diferenciados muito mais pelas penas cominadas. Entretanto,
assevera Fernando Capez
[27] que: “não é possível, por exemplo, afirmar que todas as contravenções penais são insignificantes, pois,
dependendo do caso concreto,
isto não se pode revelar verdadeiro.” (grifo nosso) Em oportuno exemplo
o autor alerta que andar pelas ruas armado com uma faca (art. 19, LCP) é
um fato contravencional que não se deve reputar insignificante.
4.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao final de nosso estudo, sempre desprovidos da mínima pretensão de
esgotar a matéria em comento, percorrendo a história das infrações
penais, passando pela distinção entre contravenção penal e crime,
conclui-se que mesmo o crime e a contravenção sendo espécies “distintas”
do gênero “infração penal”, não existe, a rigor, uma diferença
substancial entre os dois. Entretanto, apresentamos algumas diferenças
específicas entre crime e contravenção, como por exemplo o tipo de ação
penal, a aplicabilidade do instituto da tentativa, entre outras.
Mais adiante, analisamos especificamente as
contravenções penais,
examinando algumas das mais interessantes para o Direito Penal. Nesse
sentido, concluímos que, apesar de determinadas condutas não terem mais a
necessidade de serem tipificadas como contravenção, fica a lição da
importância da existência das contravenções penais para o Direito Penal,
pois, em conjunto com o rol de crimes dispostos no Código Penal, vêm
ampliar ainda mais o leque de proteção aos valores mais importantes da
sociedade, defendidos pelo Direito Penal.
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ou crime? 2006. Trabalho apresentado como exigência parcial para
obtenção do título de Bacharel em Direito. Faculdade de Direito,
Faculdades Metropolitanas Unidas, São Paulo, 1990. Disponível em:
<http://arquivo.fmu.br/prodisc/direito/ias.pdf>. Acesso em: 03
out. 2012.
6.NOTAS
[1]PRADO, Luiz Regis.
Curso de direito penal brasileiro: parte geral, arts. 1º a 120. 9. ed. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, 248.
[2]GRECO, Rogério.
Curso de direito penal. 13. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011, p. 136.
[3]BRASIL.
Lei de introdução ao código penal e da lei de contravenções penais (1941). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3914.htm>. Acesso em: 23 set. 2012.
[4]NUCCI, Guilherme de Souza.
Manual de direito penal. 7. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2011, p. 177.
[5]PRADO, Leandro Cadenas.
Resumo de direito penal, parte geral. 4. ed., rev. e atual. Niterói, RJ: Impetus, 2010, p. 55.
[6]BRASIL.
Lei dos juizados especiais cíveis e criminais (1995). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm> Acesso em: 26 set. 2012.
[7]GRECO, op. cit, p. 137.
[8]BRASIL.
Lei das contravenções penais (1941). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3688.htm>. Acesso em: 23 set. 2012.
[9]JESUS, Damásio E. de.
Lei da contravenções penais anotada. 10. ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 2.
[10]JESUS, 2004, Ibid, p. 3.
[
[11]NOGUEIRA, Fernando Célio de Brito. O novo Código de Trânsito revogou as contravenções dos arts. 32 e 34 da LCP?.
Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez. 1998 . Disponível em: <
http://jus.com.br/revista/texto/1739>. Acesso em: 27 set. 2012.
[
[12]NOGUEIRA, Ibid.
[
[13]SILVA, Ivanildo Alves da.
Jogo do bicho:
contravenção ou crime? 2006. Trabalho apresentado como exigência
parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Faculdade de
Direito, Faculdades Metropolitanas Unidas, São Paulo, 1990. Disponível
em: <http://arquivo.fmu.br/prodisc/direito/ias.pdf>. Acesso em: 03
out. 2012, p. 18-20.
[
[14]BRASIL,
Decreto-lei 6.259 (1944). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/Del6259.htm>. Acesso em: 03 out. 2012.
[
[15]JESUS, 2004, Op. Cit., p. 184.
[16]Cf. SILVA, 2006, Op. Cit., p. 24-27.
[17]CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Mendicância: revogação e repercussões no direito penal e no processo penal.
Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2435, 2 mar. 2010. Disponível em: <
http://jus.com.br/revista/texto/14436>. Acesso em: 27 set. 2012.
[18]CABETTE, 2010, Ibid.
[19]JESUS, Damásio E. de.
Stalking.
Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1655, 12 jan. 2008. Disponível em: <
http://jus.com.br/revista/texto/10846>. Acesso em: 27 set. 2012.
[20]LIMA, Wesley de.
Apontamentos sobre o fenômeno do stalking:
uma realidade emergente na sociedade contemporânea. Disponível em:
<http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9706&revista_caderno=3>.
Acesso em: 13 out. 2012.
[21]JESUS, 2008, Op. Cit.
[22]LIMA, Op. Cit.
[23]CALHAU, 2010, Apud LIMA, Ibid.
[24]Cf. AGUIARI, Vinicius. Senado define
Cyberbullying e Stalking como crimes. Disponível em:
<http://info.abril.com.br/noticias/internet/senado-define-cyberbullying-e-stalking-como-crimes-29052012-23.shl>
Acesso em: 13 out. 2012.
[25]CAPEZ, Fernando. Princípio da
insignificância ou bagatela. Disponível em:
<http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=2009071614033828&mode=print>.
Acesso em: 13 out. 2012.
[26]JESUS, 2004, Op. Cit., p. 9.
[27]CAPEZ, Op. cit.[